A respeito dos transportes em Santos

Texto atualizado em 21 de Abril de 2009 -

por Laire José Giraud *



Em Santos, o serviço de bondes foi inaugurado em 9 de outubro de 1871 (um ano antes de São Paulo). A lei Provincial nº 67, de 10 de abril de 1870, concedeu privilégio por 50 anos a Domingos Moutinho para “o serviço de gêneros e mercadorias por meio de trilhos”, de conformidade com a proposta apresentada por ele à Câmara.



* O centenário do bonde elétrico

* Passeio pela Santos de outros tempos



Diversos empresários, entre eles Mathias Casimiro Alberto Costa, se uniram e formaram uma sociedade em comandita, sob a firma Russel, Benest e Co., e, finalmente uma sociedade anônima, a “Cia. Melhoramentos da Cidade de Santos”.




O Miramar, em imagem aérea de raro cartão-postal,

que traz o famoso slogan. Acervo: José Carlos Silvares



Coube à cidade de Santos a glória de ser a primeira do Brasil, e talvez da América do Sul, a introduzir o sistema de transporte de mercadorias por bondes (então chamado Tram-Road).



A primeira linha era para a “Barra”, isto é o Boqueirão. Assim, os bondes de burro que, desde 1872, faziam a ligação entre a cidade e a Praia da Barra (Boqueirão) terminavam a viagem na confluência da Rua Octaviana (av. Cons. Nébias), com Caminho da Ponta da Praia (av. Barnabé, hoje Epitácio Pessoa).



Por volta de 1897, a Cia. Viação Paulistana (secção de Santos), sob a direção do major João Constantino Janacopolus, comprou os direitos das várias companhias então existentes, passando a monopolizar os transportes em Santos, como, aliás, já havia feito em São Paulo.



A fotografia do início do século XX mostra o bonde puxado a burros

que fazia a linha Cidade/Barra, antiga denominação do Boqueirão.

Coleção: Allen Morrison.



Dois anos antes, foram levantadas uma estação de bondes e respectiva cocheira, para proceder ao revezamento de animais dos carros que prosseguiam viagem até o Forte Augusto (atual Museu de Pesca).



Conta-nos o jornalista e historiador Bandeira Júnior, no almanaque de Santos, edição 1975, que “o major Janacopolus, de nacionalidade grega, porém muito afeiçoado à terra de Braz Cubas, decidiu construir um centro recreativo, aproveitando o extenso terreno atrás da estação de bondes do Boqueirão, com o sonoro nome de Miramar extraído, provavelmente, do Castelo Triestino que pertenceu à família de Maximiliano, o infeliz imperador do México, sendo o novo estabelecimento praiano inaugurado em 12 de janeiro de 1896”.



Joaquim Ribeiro de Moraes é de outro parecer: o Miramar foi criado em 12 de março do mesmo ano e a denominação Miramar significava a admiração do seu proprietário pelo mar, que não compreendia como se pudesse perder o espetáculo das águas nos panoramas deslumbrantes que oferecia.



Cartão-postal da Praça Ruy Barbosa, mostrando o ponto final dos

bondes puxados a tração animal. Ao fundo, o antigo prédio dos

Correios, ladeado pelas ruas General Câmara e do Rozário (antiga denominação da Av. João Pessoa - 1908. Acervo: L.J.Giraud.



Assim, a casa de diversões foi batizada como “Miramar”, como sua melhor qualidade de olhar as águas. Os bailes do Miramar foram famosos, e o Cassino, muito freqüentado. Foi uma das instituições santistas de maior projeção internacional, conhecida fora do País.



Segundo Bandeira Júnior, desde o dia da inauguração o slogan "Vá ao Miramar", curto e incisivo, repete-se nas páginas dos nossos jornais.



Só anos depois, de maneira curiosa, seria acrescentado o "ainda mesmo que chova”.



O ponto final de bondes, no Gonzaga - 1912. Acervo: L.J.Giraud.



Contou Aristóbulo Monteiro – de tradicional família santista – que durante a Primeira Grande Guerra o Miramar anunciou um dos seus concorridos concertos, desta vez com a Banda da Força Pública (Polícia Militar) da capital paulista, considerada uma das melhores do País.



Na noite marcada, forte temporal abrigou a transferência do espetáculo para outra ocasião. Com o intuito de evitar surpresas do mau tempo, a direção do Miramar mandou construir grande galpão para abrigar a banda e o público presente e anunciou que a retreta se realizaria com os músicos da força pública “ainda mesmo que chovesse”.



Aí aconteceu outro imprevisto: na última hora, aquela corporação musical foi requisitada pelo Governo do Estado para uma solenidade no Palácio dos Campos Elíseos e assim não pode descer a Santos.



A agitada Rua do Rozário (com ’’Z’’), com o seu comércio no início dos

anos 1920. No cartão-postal, são vistos trilhos do bonde, carros da

época e um bonde indo no sentido cais. Acervo: L.J.Giraud.



A decepção foi tremenda para a numerosa assistência que compareceu ao Miramar e, para ridicularizar o fato, passou-se a repetir, na cidade, a frase “ainda mesmo que chova” toda vez se queria referir mordazmente a alguma coisa falível.



A 6 de maio de 1901, houve liquidação dos bens da Cia. Viação Paulista, tendo o dr. João Éboli adquirido a acervo, em 10 de junho. A seguir, ele criou a Empresa Ferro Carril Santista.



Em meados de 1903, a companhia foi reorganizada e o povo aguardava a inauguração dos bondes elétricos.



Na esquina mais famosa de Santos, a da Av. Ana Costa com as

avenidas Vicente de Carvalho e Presidente Wilson, vemos o bonde 12,

a fonte luminosa 9 de Julho, um ônibus e os hotéis Atlântico Hotel e dos Bandeirantes. Início da década de 1940. Acervo: L.J.Giraud.



Em 20 de fevereiro de 1904, a Cia. The City of Santos Improvements Company Ltda. adquiriu os bens e direitos da Empresa Ferro Carril Santista.



Com apreciável esforço, substituiu a força animal por força elétrica, inaugurando o primeiro bonde movido a eletricidade em 28 de abril de 1909. O sistema prevaleceu em Santos até 27 de fevereiro de 1971, quando deixou de circular o último elétrico, já sob domínios do Serviço Municipal de Transportes Coletivos (SMTC), desde janeiro de 1952.



Esse texto, sucinto e objetivo, contém interessantes informações, sobre o início das linhas do bonde, antigos concessionários, nomes anteriores de avenidas e até da origem do slogan do famoso palácio dourado do Boqueirão, O Miramar, me foi passado por volta de 1995, por Jaime Caldas, um grande memorialista dos acontecimentos das cidades de Santos, São Vicente, Guarujá, Cubatão e Praia Grande. Ele nos deixou em janeiro de 2008.



O bonde articulado, diferente dos demais, era usado nas linhas 32, R,

X e Y. Era um bonde rápido - década de 1940. Coleção: Allen Morrison.



Jaime Caldas, quando ia ao Centro de Santos, passava no meu escritório ou nos encontrávamos no Café Paulista (geralmente na companhia de Narciso de Andrade e de outros amigos), onde relatava acontecimentos do passado, além de mostrar imagens raras do início do século XX. Ele era oficial reformado da Polícia Militar, e sua opinião era que o passado pode ser o nosso presente.



Juntos escrevemos alguns artigos para o jornal A Tribuna de Santos, dentre os quais "A História dos Trapiches". Participamos, também, dos livros pictóricos Photografias & Fotografias do Porto de Santos (1996) e Santos Cidade Marítima (1999), onde participou o pesquisador José Carlos Rossini, radicado em Genebra – Suíça.



O famoso bonde 1, que ligava a Praça dos Andradas ao município

de São Vicente através da Av. Nossa Senhora de Fátima, que antes

era chamada de linha 1. Os antigos ainda chamam aquela avenida

desse modo. Reprodução: www.tramway.com


Resumindo, com Caldas não se jogava conversa fora, era só conhecimento e sabedoria. Diga-se de passagem, tocava um cavaquinho como ninguém, fazia parte de um grupo de apreciadores do chorinho. Vale lembrar que as modificações do emblema da Cidade deve-se graças aos argumentos de Caldas, que foi apresentado a outros historiadores e juntos levaram ao conhecimento das autoridades do Município, que aprovaram as mudanças.



O texto passado por Jaime Caldas veio ao encontro com a celebração dos 100 anos da inauguração do bonde elétrico em Santos, a ser comemorado no próximo 28 de abril. Obrigado, Jaime Caldas.



O famoso bonde 4, aqui na versão "camarão", visto na Ponta da Praia,

na altura dos clubes, por volta de 1968. Coleção: Allen Morrison.


Fechando com chave de ouro, uma
foto do inesquecível Jaime Caldas,
numa das suas visitas no escritório
do autor - 2000.



Em tempo

A coluna Recordar parabeniza o prático aposentado Gerson da Costa Fonseca e sua esposa Arlete Praça Fonseca, pela comemoração dos 63 anos de feliz vida conjugal, bem como os 91 anos de idades de Gerson, completados neste mês de abril.



Gerson foi prático do Porto de Santos por mais de 40 anos e presidente da praticagem local em várias gestões. Foi ele quem viu o famoso transatlântico germânico Windhuk, fugindo do bloqueio britânico, entrando em Santos disfarçado de navio japonês, o Santos Maru, em 07 de dezembro de 1939, no início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).



Ao casal, os sinceros votos de muita saúde e felicidades por essas celebrações.




* Laire José Giraud é despachante aduaneiro, colecionador de cartões-postais da Cidade e de transatlânticos antigos. Colaborador da Revista de Marinha de Portugal. Publicou cinco livros, como autor e co-autor, sobre temas da Santos antiga.