O Natal de ontem

Texto atualizado em 23 de Dezembro de 2008 -

por Laire José Giraud *


Este artigo tem a pretensão de levar uma mensagem de um alegre Natal aos leitores, além de recordar acontecimentos passados.

O comércio de Santos, em tempos idos, era movimentado graças ao porto, ao café e pelos marítimos embarcados em navios nacionais e estrangeiros que ficavam dias a fio atracados em Santos em operações portuárias de carga e descarga. Em épocas festivas, as pessoas ligadas nessas modalidades de trabalho, gastavam consideravelmente no comércio santista, dando assim, um grande impulso em todos os setores da economia regional. Também não podemos esquecer de outras atividades, como o setor de hotelaria, bancário, hospitalar, e órgãos municipais, estaduais e federais, como também de todas as categorias profissionais, que também davam sua cota de contribuição. Mas a época em que se gastava mais por razões óbvias como até hoje, era no mês de dezembro.


Raro cartão de boas festas, impresso na Alemanha, por volta de 1910, onde é vis-
ta a grafia da época. Acervo: Laire Giraud

Estamos a poucos dias do Natal e do Réveillon, onde teremos oportunidade de participar de várias festas de confraternização de fim de ano, muito comum nesta época, e que caso não tomemos os devidos cuidados, chegaremos no novo ano mais robustos, dado à grande variedade de alimentos altamente calóricos encontrados nesses acontecimentos.


Cartão de boas festas, mostrando o Centro da Cidade e o Porto de Santos. Eram produzidos pela indústria de cartões-postais Colombo, foi muito utilizado pelas agências de navegação para envio de mensagens. – 1960. Acervo: Laire José Giraud


Por estarmos no período natalino, onde comemoramos o nascimento de Jesus Cristo, geralmente com uma ceia, em que muitos chegam a esquecer do Grande Aniversariante.


Com isso, me veio a lembrança, natais da minha infância e da minha juventude, que foram nos anos 50, 60 e 70, onde as famílias se reuniam e distribuíam presentes durante o almoço do dia 25 de dezembro, e não como é hoje, onde os presentes são distribuídos na véspera, durante a ceia de Natal. As crianças dormiam cedo na expectativa de ao acordar no dia seguinte, encontrarem seus presentes junto à árvore de Natal, que eram pinheiros adornados com vários enfeites, e não como as atuais que são artificiais. As casas que tinham essas árvores de Natal ficavam com um delicioso odor silvestre, produzido pelos pinheiros.



Até o início dos anos 70, tudo relacionado ao comércio, acontecia no Centro da Cidade. A imagem da Fundação e Arquivo da Memória de Santos, mostra a rainha das praças, a Mauá, com suas lojas da rua General Câmara, com seus toldos, que era uma preocupação para com seus clientes, o Paço Municipal e à esquerda, o belo prédio dos correios. (Imagem: Final dos anos 30).

Tudo isso sem deixar de lembrar que no início dos meses de novembro, éramos contemplados com músicas do Natal, como: Jingle Bells (Tocam os Sinos), Silent Night (Noite Feliz) com The Suns e Luiz Bordon (em português), Natal das Crianças com Francisco Alves, que eram tocadas nas rádios, nas lojas de discos como A Musical, Marimba, Casa Pepe e Casa do Disco.


A rabanada e as castanhas, não podiam faltar de maneira alguma nessa festividade. Os que podiam serviam peru como prato principal, que era privilégio de poucos, pois o peru não era acessível a todos como ocorre atualmente.



O cartão-postal fotografado e editado por Boris Kauffmann, mostra a esquina mais famosa de Santos, Ana Costa com as Avenidas Presidente Wilson / Vicente de Carvalho, onde além da iluminação do Natal, vemos os famosos hotéis Atlântico e Parque Balneário à direita e a fonte luminosa.(Natal 1955). Acervo: Laire José Giraud

Por falar em peru, meu pai, durante muitos anos foi médico do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (IAPM), que ficava onde hoje é o terreno ocupado como estacionamento de automóveis dos funcionários da Alfândega do Porto de Santos, na Praça da República. Na época da festa máxima da Cristandade, o Natal, era comum os pacientes presentearem seus médicos com alimentos, assim, meu pai recebia leitões, tenders, bolos e até um peru vivo, diga-se de passagem, muito bonito. Minha avó Benvinda Giraud, era encarregada do abate de frangos, muito comum em décadas passadas, onde eram escolhidos os frangos vivos nas várias avícolas que existiam. Com referência ao peru, todos ficaram com pena de abatê-lo para o almoço de Natal, parecia até que era uma ave de estimação. Resultado, o peru ficou circulando por quase todo ano de 1952 pela nossa casa na Avenida Almirante Cochrane (o Canal 5), quando finalmente resolveram doá-lo para uma instituição de caridade.


A passarela da moda, no passado era a Rua General Câmara, entre a Praça Mauá e a Praça Rui Barbosa. Na foto, minha mãe Aura Maria me conduzindo para ver o Papai Noel da Sears. O local onde foi clicada esta foto, em 1950, é nas proximidades da casa Sloper, onde vemos o toldo. Ao fundo, o prédio da Prefeitura de Santos.
Acervo: Laire José Giraud

No Centro da Cidade circulavam alguns Papais-Noéis, mas nunca houve um igual ao da Sears – o velhinho vestido de vermelho daquela loja era o mais simpático de todos. A Sears tinha sempre o mesmo Papai Noel, o Sr. Fritz Lindernet, que por muitos anos alegrou as crianças. Ele tinha um tipo alemão, loiro e muito calmo, e estava sempre rodeado pela petizada. Muitos dos adultos de hoje, certamente passaram seus pedidos para o Papai Noel Fritz. Que, diga-se de passagem, merecia até uma rua com seu nome.



Muitas coisas inesquecíveis de Santos aqui não serão lembradas por serem inúmeras, mas vale lembrar que tudo acontecia no Centro, onde estavam a maioria e as melhores lojas de Santos. Uma grande atração do Centro eram as grandes mercearias, pois não haviam supermercados. As compras de castanhas, nozes, amêndoas, passas, figos secos, frutas cristalizadas, vinhos e bebidas em geral, eram compradas nesses estabelecimentos, como a Casa Haia, Mercearia Natal, Ao Anjo Barateiro e outros empórios espalhados pela Cidade. Era comum presentear nossos amigos com uma cesta de Natal.


Cartão festivo da época, editado pelo grande Kauffmann, mostrando as praias do Gonzaga e José Menino. – Final dos anos 50. Acervo: Laire José Giraud

Um dos estabelecimentos que montavam as mais belas cestas era a tradicional Mercearia Carioca (Av. Epitácio Pessoa com Oswaldo Cruz), cujo proprietário foi José Bento Silvares, pai do jornalista José Carlos Silvares, autor do livro sobre o Príncipe de Astúrias, que será lançado no próximo 19 de dezembro na Estação do Valongo, um dos mais belos livros já lançados sobre o gênero.



O livro Caminhos do Mar – Memória do Comércio Santista, lançado em 2002 por realização do Sesc e projeto do Museu da Pessoa de São Paulo, conta que a partir do ano de 1950, novos produtos eram postos à venda no mercado brasileiro, ligados à inovações tecnológicas e à expansão do american way of life no pós-guerra. Assim, muitas novidades surgiram, diminuindo o trabalho exaustivo das donas de casa, como liquidificadores, batedeiras, enceradeiras, aspiradores de pó, máquinas de lavar roupa.


A Casa Lemcke foi uma das mais tradicionais lojas de Santos até os anos 60. Possuía loja no Gonzaga e no Centro, nesta última, possuía um grande salão de chá no último andar do seu prédio. Era chique na época as senhoras freqüentarem esses locais para o chá da tarde. – Anúncio de 1958.

Para vender essas maravilhas, surgiram várias novas lojas de eletrodomésticos, que eram mais amplas, bem iluminadas, modernas e com um visual convidativo. Eram as lojas de um novo tempo, como a Sears, a Discopa, a Casa do Rádio, entre muitas outras que se juntavam às já estabelecidas na Cidade como as nossas lojas: A Casa dos 2 Mil Réis (atual Lojas Americanas), Lojas Brasileiras, Tecelagem Francesa, Paraíso das Sedas, Casas Sloper, Ao Preço Fixo, Casa Lencke, Casa Lido, Casas Teixeira, Bazar da China, Tapeçaria Schültz, Lojas Semog, Lojas Gomes (conhecidas por vender ternos gelados, próprios para o verão), Casa Natal, Camisaria Paris, Camisaria Americana, Sapataria Branca de Neve, Dunga e Dengoso, destinada às crianças (tamanho até o n.° 37), Casa Moyses e Casa Lido, que vendia brinquedos importados..



O tempo muda tudo, nos anos 60 o comércio começou a migrar para o Gonzaga, até chegar ao grande comércio que conhecemos. O Centro nunca mais voltou a ser como antes. Fica um tanto difícil contar em palavras como era a grande movimentação, e a iluminação do Natal do Centro, até o início dos anos 80, quando começaram a surgir os shoppings.



Capa do folheto das tradicionais cestas de Natal da Mercearia Carioca, do Boqueirão, de propriedade de José Bento Silvares e que vinha repleta de produtos de primeira qualidade. Natal de 1963.

Vale lembrar, que no Gonzaga existiam poucas lojas e restaurantes, que eram mais direcionados aos turistas, ficando no Centro, os freqüentados pelos santistas, como exemplo: o Restaurante Paulista e o Restaurante Marreiro.



Para tentar mostrar o Natal de outrora, vamos usar alguns cartões-postais editados por mestres da fotografia, que deixaram os seus nomes gravados no Livro de Ouro da Cidade, como Boris Kauffmann, tradicional fotógrafo de Santos, e que possui uma rua com o seu nome no bairro da Alemoa; Sulpigio Colombo, produtor dos famosos cartões-postais Colombo, ambos falecidos, que foram os mais famosos cartões do Brasil. Bem como anúncios de renomados estabelecimentos comerciais do passado.


Havia vários papais-noéis nas principais lojas de Santos, mas nenhum era igual ao bom velhinho da Sears, para o qual passávamos a relação dos presentes desejados, após sentarmos por alguns instantes em seu colo, e ganhar um pirulito multicolorido. Anúncio em A Tribuna das lojas Sears Roebuck SA dos anos 50.

Depois de todas essas alegres reminiscências, esta coluna deseja aos seus leitores e amigos, os votos de que o Natal renove sonhos e fortaleçam a nossa fé em construir um mundo melhor.


A todos, um Feliz Natal e um 2009 de muita Paz, Saúde e Prosperidade.


O Papai Noel Dourado vai trazer muita saúde, paz de espírito e muita “plata” para os amigos e leitores. Mais uma vez, Feliz Natal e Próspero Ano Novo. (Imagem: Reprodução)

* Laire José Giraud é despachante aduaneiro, colecionador de cartões-postais da Cidade e de transatlânticos antigos. Colaborador da Revista de Marinha de Portugal. Publicou cinco livros, como autor e co-autor, sobre temas da Santos antiga.

fonte:
PortoGente